como foi morar no bairro mais gentrificado de são paulo
nada contra seus moradores. até tenho amigos que são
quando eu vim morar em são paulo, eu não sabia nada sobre a geografia social da cidade. eu conhecia os ibis que os portais me hospedaram, os airbnbs para frequentadores do lollapalooza e a augusta. eu não sabia o que era caro e o que não era; o que era legal ou não. só o que eu tinha era o endereço do escritório que iria trabalhar — que não me dizia nada, porque graças a deus eu sou gen z e minha vida tá longe de ser só isso.
eu não tinha tempo — nem disposição, pra ser sincera — pra procurar demais. entrei em um grupo de moradia compartilhada no saudoso facebook e escolhi o mais conveniente: um quarto em um apartamento compartilhado com quintal, onde eu pudesse manter o bronze. o bairro era pinheiros, e as três primeiras pesquisas do google (que foi só até onde fui) dizia que lá era repleto de bares, atividades culturais e jovens. minhas três coisas favoritas, então como a experiência acabou sendo tão desagradável?
não demorou muito pra eu perceber no que eu tinha me metido. tudo era extremamente higienizado e legal, de um jeito que me fazia sentir péssima. eu não só morava no bairro mais hypado na cidade, mas na rua principal também, onde as pessoas vão pra passar o dia entrando em estabelecimentos e tirando foto pra renovar o feed. toda vez que eu saia de casa, me sentia dentro do instagram. eu não conseguia me desvencilhar da ideia de que eu definitivamente não deveria estar ali.
mas nem tudo foi ruim. eu chegava em 15 minutos no trabalho (apesar da minha vida não ser só isso), tinha um cinema a 5 minutos de distância (decoração linda, qualidade péssima), pegava a linha amarela (transporte público pra quem não quer se sentir em um) e mal via pessoas em situação de rua (se você mora em são paulo, sabe o quão raro isso é). meus companheiros de casa eram incríveis e me ensinaram tudo que eu não aprendi sendo filha única. mantive o bronze o quanto possível, e vivemos festas homéricas no quintal. ainda assim, eu morava em um quarto de 12m2, sem espaço pras minhas roupas e livros – minhas duas maiores posses.
ou seja, eu estava nesse “ótimo” bairro, mas em um contexto péssimo. pra completar, estava começando a aprender o estigma que estar lá carregava – e não tinha a ver nem com o que eu era nem com o que estava aparentando ser. sempre que eu conhecia alguém e o assunto chegava em moradia, eu me via no dever de explicar toda minha história de vida pra tentar me safar do constrangimento. “mas eu divido, e nunca saio por lá!”, eu completava, antes que os olhares começassem. se fosse só julgamento exterior eu deixaria passar, mas não tinha nada proveitoso nem pra mim: eu estava sempre me sentindo inadequada, sendo vista ou não.
estar perto de lugares que eu gostava me fazia sentir melhor sobre toda essa experiência da cidade grande; nunca mais ver o tênis converse run star motion e deixar meu livros da anne carson bem expostos, também. eu sabia que ninguém merece morar com alguém que só consegue falar por 10 dias no mês: eu preciso estar sozinha pra funcionar, uma hora meu “pinheiro’s fever” teria que acabar. e foi com muita dor na carteira que eu abri mão de todo meu conforto em direção ao centro sujo de são paulo – afinal, ele nunca foi tão confortável assim.
hoje, muita coisa é pior. preciso de dois transportes pra chegar no trabalho (ainda bem que minha vida não é só isso!), me acostumei com odores corporais variados e preciso acompanhar de perto qualquer notícia sobre a cracolândia. por outro lado, pratico a coreografia de formation diariamente, todos os meus livros estão dignamente expostos e o uber nunca dá mais de 20 reais pra nenhum lugar que me interessa. não me leve a mal, eu ainda sou apenas uma garota com muito tempo de tela vivendo o sonho cosmopolita; ainda preciso de certo nível de coolness e de um estúdio de hot yoga por perto. mas uma coisa que eu garanto é que vejo bem menos star motions, e só por isso eu já venci.
eu ainda vou bastante em pinheiros, pra visitar meus amigos ou lançamentos em livrarias. toda vez que volto pra casa, sinto paz. não é que eu me ache boa demais pra o bairro, veja bem. eu me acho orgulhosamente não o suficiente. as coisas podem mudar, e posso conhecer um ângulo do novo: o daqueles que tem dinheiro o suficiente pra morar em pinheiros e sair de lá toda noite, se quiserem. nesse cenário, minha opinião pode mudar totalmente. quanto a isso, ainda não tenho como saber.
eu *detesto* esse tênis
se vc tivesse me falado antes que era por causa desse tenis horrivel eu teria sido mto mais compreensiva!!!!!