Guia definitivo para aproveitar qualquer coisa
a diversão é uma prática mental. essa é a primeira parte do manual prático hedonismo segundo beatriz
meu maior princípio na vida é me divertir, e modéstia à parte, eu sou muito boa nisso.
as pessoas costumam achar que isso algo intrinsecamente relacionado à personalidade, ou até um talento. eu vejo mais como um conjunto de técnicas mentais, aperfeiçoados ao longo de muitos anos tirando leite de pedra dos meus arredores escassos de uma recreação digna. e o principal: muita curiosidade, sobre tudo.
antes de mais nada, se divertir é uma escolha, e pra essa escolha ser bem sucedida é preciso flexibilizar o conceito de bom e ruim. nem por um segundo isso que quer dizer que você precise abrir mão dos seus ideias, mas, na maior parte do tempo, não são eles que ditam as leis das experiências. e isso, é bom, na verdade: olhando só pra aquilo que nos é confortável, a vida vira um eterno mais do mesmo.
é preciso entender que seu gosto não é uma verdade universal nem pra você, e essa é a graça. sempre haverá espaço pra surpresa; você nunca vai esgotar as prazerosas novidades que a vida pode proporcionar.
eu sei que falando assim tudo parece lindo, fácil e óbvio. agora, como incorporar essa mentalidade na prática????
peço licença pra te apresentar meu modelo. até agora, tem funcionado.
para estruturar esse manual, dividi em duas seções principais: aproveitando experiências, essa; e aproveitando produtos culturais, que vai ficar pra outra edição. cada seção está segmentada em tópicos de ação, mas todos fazem parte de algo maior, que é a teoria geral do divertimento.
vou pular pontos complementares, como gasto e uso de entorpecentes, porque cada um se resolve como sabe. o objetivo desse guia é te fazer aproveitar uma situação em que já está, sem olhar pra mais nada. se você consome álcool ou outras substâncias, obviamente é um caminho, quem me conhece sabe. mas esse não é um texto apologético e nenhum dos temas leva isso em consideração.
sem ainda mais delongas, vamos lá!
APROVEITANDO EXPERIÊNCIAS
antes de mais nada, você não precisa se forçar a fazer algo que não quer. diversão não é isso, e sim fazer o possível pra não dificultar uma situação que busca exatamente o contrário. se você já saiu de casa e está em uma boa roupa, aproveitar e meio que só o que te resta, você só precisa saber com o quê.
Seguir a mosca te leva pra o lixo
conheça seu gado. cada circunstância pede um tipo de companhia, e ninguém se encaixa em todas. têm amigos que são ótimos pra almoçar, mas tornariam até o show da Beyoncé uma vivência inferior. quando você está acompanhado de uma pessoa, lida também com as idiossincrasias dela, e às vezes elas não combinam com o momento. isso não quer dizer que eles são ruins, porque apreciamos nossos almoço; precisamos deles. só que nem todo mundo é pra tudo, e essa é uma das coisas mais importantes que aprendemos no Grande Livro das Relações.
quando você começar a identificar o que cada experiência te pede, vai entender o que te ajuda a chegar nisso – e quem pode te dar. às vezes, você mesmo é mais que o suficiente; mas isso é papo pra outro texto.
Recolha-se a sua insignificância
o que torna experiências irregulares difíceis é o quanto ficamos autoconscientes de nós mesmos. é impossível aproveitar qualquer coisa com o sentimento de “um estranho no ninho”. a sensação que fica é que você está duro, enquanto todo mundo repara – não é verdade, mas certamente já te disseram isso. o que você precisa fazer pra dar uma força pra o seu cérebro nessa armadilha é ir pra um terreno em que seja impossível cultivar essa ideia: o meio.
quanto mais atrás você está, mais fácil é se sentir como um mero espectador, porque é isso que você está fazendo, no fim das contas. e com todo esse espaço livre entre você e todo resto talvez chame sim certa atenção. vá pra onde a coisa está acontecendo, se misture: o quanto você não consegue reparar em todo mundo que te cerca vai te inspirar (surpresa: eles também não conseguem reparar em você!), e a liberdade deles também.
antes que alguém levante o ponto “odeio muvuca”, uma coisa não está ligada a outra, mesmo. não precisa estar no front; é só explorar pra saber.
A noite é uma viagem, e você sempre tem um guia
o lindo das experiências coletivas é viver aquilo duplamente: através do que você recebe e através da reação dos demais. é pra isso que a gente sai de casa pra vivenciar algo: a catarse coletiva traz uma nova retórica pra aquela experiência, que de tão abrangente, é só sua – e eu espero estar chovendo no molhado aqui. a valorização dos demais vai voltar mais pra frente, mas agora vamos focar em uma pessoa específica, que é a grande chave pra sua diversão: a pessoa mais feliz do ambiente.
A felicidade contagia, etc. pra uma conversa mais refrescante, vamos dizer que a felicidade ensina. o que te prende dentro de você é o familiar, o conforto. do lado de fora, você às vezes sente não saber como agir, certo? é muito trabalho, realmente. então que tal apenas imitar, até você o primeiro passo pra fora da gaiola da sua mente e só não pensar mais tanto?
pra isso, você vai encontrar a pessoa que mais está aproveitando aquela noite e vai fingir ser ela. simples assim. você vai fingir gostar do que ela gosta, dançar como ela dança (na medida do possível), ter a noite que ela está tendo. pouco a pouco, você vai se perceber aprendendo um pouco sobre a raiz daqueles comportamentos – e a essência daquilo que está vivendo, sem imitar nada.

pra mim, isso ficou muito claro com a diferença socioeconômica do público dos ambientes que frequento. eu vivo muito hip-hop e funk, produtos originalmente de uma cultura marginal e hoje amplificados. não tem nada mais sábado a noite que um MC da periferia em uma balada no topo de um prédio em que a long neck é 16 reais, mas a gente sabe que não é bem isso.
isso causa uma desarmonia de públicos sútil e às vezes incômoda, mas sempre muito interessante. é engraçado perceber que enquanto pra alguns aquilo é realmente só sábado, pra outros precisou de esforço e desconforto; tudo pela importância daquela música. quem melhor que ela pra me dizer o que é essa noite?
é nisso que eu penso quando falo em imitar a empolgação de alguém com aquela vivência até entendê-la. nenhuma experiência pode ser vazia se ela conseguiu tocar alguém, e somos todos feitos da mesma matéria: algo ali pode chegar em você também. a gente só precisa dar uma sentida.
Novidade, teve!
esse é um desdobramento do tópico anterior, mas em vez de focar apenas nas pessoas, foca no todo do acontecimento – principalmente no objeto principal. se você foi a uma festa, ver um show, um filme, uma peça, uma exposição ou seja lá o que for; tem uma atração ali, só pra te entreter. poxa, isso é um privilégio!
você pode não gostar daquilo que lhe é servido, mas ainda assim você teve estímulos novos, que aumentaram seu repertório e te alargam, pelo menos em algum sentido. comparado a estar em redes sociais, toda experiência é um ganho, porque é um acontecimento orgânico e humano. hoje em dia, isso por si só já é motivo o suficiente pra aproveitar.
e se o problema for qualidade, nem toda romantização do mundo pode mudar isso, e não deveria. perder o senso crítico não faz parte de aproveitar ao máximo uma experiência: deslocá-lo, sim. permitir-se entender o que acontece, absorver, até pra saber exatamente o que é que você tanto desgosta, com argumentos.
além disso, ainda tem a estrutura do lugar, o cardápio, os preços, a roupa das pessoas, seus hábitos de consumo. depois de entender um pouco do mecanismo por trás daquele acontecimento, explore-o. finja que você é um detetive e aquela é sua savana. faça sua noite valer de algo, nem que seja apenas uma catalogação do que tem por aí. assim, ao final de toda experiência, você sai sabendo um pouco mais sobre o que é realmente você.
A pior noite da minha vida: uma história em vários atos
se você testou todos esses passos e nada funcionou, você entendeu que realmente não consegue tirar mais NADA de uma experiência, talvez seja hora do sarro, e só se chega nesse nível quando aquela vivência não te estimula em nenhum outro sentido.
veja bem, não é legal rir das pessoas, quase em hipótese alguma. uma das únicas exceções é quando você sente que eles possam morar em uma cobertura, bebem drinks de 75 reais como se fosse água e estão quebrando tudo ao som de odara. no meu repertório, esse foi o cenário em que eu precisei apelar pra essa conduta de tão mau gosto – mas a gente precisa se salvar.
rir de gente visivelmente mau-caráter (ou apenas rica) não é errado, ainda mais quando você vê o quanto pouco eles fazem com o tudo que tem. até te ajuda a valorizar todos os outros acontecimentos ruins, como você precisou de tão menos pra se divertir em outras ocasiões. você conhece o que lhe é realmente intragável e atualiza os seus padrões.
assim, esse também não é um cenário que eu considere como uma perda completa: pode ser tanto uma história pra contar como um consolo pra momentos em que achar que a noite está ruim demais. poderia ser pior, poderia estar tocando odara.
silêncio, estou estudando
nossa eu acho q vc eh um genio