tudo começou dia 10 de maio de 2024. fui parar no hospital e me receitaram antibióticos variados. no mesmo dia, fui comprar os remédios na farmácia do lado de casa. a interação correu normal: “de onde é esse ddd?”, “eu conheço uma pessoa de brasília também!”, essas coisas.
na manhã seguinte, acordei com uma mensagem perguntando se era a “sra. beatriz”. respondi que sim, apesar de não ser senhora coisa nenhuma — eu tava muito doente pra comprar essa briga. era o subgerente da farmácia, informando que o funcionário da noite me vendeu a dosagem errada, e se alguém descobrisse ele poderia até perder a licença. ele disse que não me faria mal tomar, mas se eu pudesse ir até lá trocar, melhor. eu já me sentia melhor e é muito perto, disse que não me incomodava de ir. ao que ele respondeu com um avatar daqueles do whatsapp que imita uma pessoa, e a pessoa em questão era eu – ou a leitura que a drogasil faz de mim.
aí eu já vi que essa transação não seria tão indolor quanto eu pensava. o processo de troca veio acompanhado de uma desculpa longuíssima – que eu não estava interessada em ouvir – e uma explicação detalhada sobre como a amoxicilina age no seu corpo – coisa que eu não queria saber –. o remédio certo era mais barato do que o que eu levei, então eu fiquei com um insuportável saldo de R$3,75, um valor INEXISTENTE. eu precisei dar MAIS dinheiro pra comprar uma manteiga de cacau que eu nem queria, e tudo isso levou incompreensíveis 45 minutos. foi tanto tempo que minha relação com o subgerente evoluiu: na próxima vez que fui à farmácia, enquanto escolhia esmalte, ele me lançou um “oi, bia!”, com a casualidade que se com alguém que more com você.
desde esse circo, comecei a gravar a cara e os trejeitos de todos os funcionários de lá. não foi difícil, porque eles fazem questão de serem muito marcantes. o principal deles é um rapaz extremamente simpático, que está sempre no caixa quando eu volto do trabalho. vamos chamá-lo de rodrigo. rodrigo tem uma característica péssima pra se ter em um caixa de farmácia: puxar assunto com o cliente com base no que ele está comprando. quando levo creme de cabelo, ele pergunta se já usei eudora. quando levo benegrip, ele pergunta se tô resfriada e fala que o tempo tá foda. até quando estava com otite ele perguntou se era a primeira vez que eu tinha (o que eu só sei porque ele fez um 1 com o dedo e ficou apontando pra o próprio ouvido insistentemente). as únicas vezes que ele não fala nada é quando compro absorvente ou buscofem – mas confesso que gostaria de vê-lo tentar.
a simpatia excessiva e falta de sutileza do rodrigo é meio irritante, mas não faz mal a ninguém. só que de boas intenções o inferno tá cheio: já deixei de entrar na farmácia mais de uma vez quando vejo que ele tá lá. percebo que ele me vê como uma espécie de amiga por também ser negro – apesar de toda vez que eu tô de trança ele perguntar se é dread –, mas eu não consigo controlar a irritação que me dá quando, depois de 10h de trabalho, só quero comprar um sabonete em silêncio e ele pergunta se eu vi que tem nivea na promoção. se fosse granado tudo bem, mas parar meu dia por causa de nivea?
mas quem faz o rodrigo parecer um príncipe é sua colega, vamos chamá-la de leila. a primeira vez que a vi foi em uma das situações mais delicadas que se pode ter na farmácia: comprando meus Remedinhos pra Cabeça™. mostrei a receita no meu celular e ela disse que sentia falta de ter um desses. a colega dela perguntou “sério? o que aconteceu com o seu?” e eu fiquei lá, em pé, atrapalhando a resenha das duas. leila contou que primeiro o celular dela caiu na privada, depois, no esgoto. “ele queria muito ficar na merda!”, ela disse, e se acabou de rir. eu reconheço que sou meio retraída com escatalogias, mas imagino que essa não tenha sido a melhor das condutas aos olhos de ninguém. não deixou uma boa primeira impressão.
o processo demorou outros fenomenais 45 minutos, e eu não aguentava mais ouvir a voz da leila. comecei a evitar mais ela do que o rodrigo, até que um dia estavam eles dois, a dupla dinâmica, cada um em um posto em que eu precisava passar. aí tudo desandou de vez.
foi um domingo normal, de faxina completa, tanto na casa quanto em mim. no final do dia, pra me recompensar, eu ia pra um show. depois de limpar a casa e tomar o banho mais premium de todos, eu tinha dois leões pra matar: farmácia e mercado, e estaria livre pra alegria que só duas cervejas e um baseado podem proporcionar. o tempo estava meio corrido, então sai apressada pras últimas tarefas, mas me sentindo a pessoa mais limpa do mundo. até que, na frente da farmácia, antes de atravessar a rua, meu chinelo arrebentou. e eu não tive opção a não ser ir até a farmácia descalço. no centro de são paulo.
quando eu cheguei na farmácia, como se não bastasse, eu percebi que tinha esquecido meu celular, onde estava:
a receita dos remédios;
meu cartão;
eu poderia ter pedido uma sacola na farmácia ou algo assim, mas decidi que, já que estava no inferno, ia abraçar o capeta e fazer daquela situação a pior possível. então, voltei pra casa, me equilibrando no que sobrou do chinelo de um jeito que ele pregava no pé por tração por exatos 6 passos (eu contei), peguei o celular e um chinelo novo e retomei a rota. vale ressaltar que, nesse trajeto, tem vários restaurantes e bares, e era meio hora do almoço. várias pessoas me assistiram indo e voltando no mesmo lugar, ora com chinelo, ora não.
claro que quando eu voltei pra farmácia era o rodrigo no balcão. levei uma lixa de unha e um creme pra cutícula pra otimizar o tempo, já que eles sempre passam uns 25 minutos clicando sem parar em não sei o que no computador. e claro que o rodrigo aproveitou pra falar que a cutícula dele também era muito ressecada. eu senti que meu corpo ia se dissolver a qualquer momento, e só ia sobrar meu pé — afinal, depois de pisar no chão do centro, ele sobreviveria a qualquer coisa.
até que eu cheguei no chefão: caixa, com a leila. quando viu as 8 embalagens de tarja-preta que eu tava levando, ela teve a coragem de perguntar se eram pra mim. não sei muito sobre o regimento dos farmacêuticos, mas com certeza deve ter algo lá sobre esse tipo de comportamento. mas o pior foi depois, quando eu respondi que sim e ela perguntou, com a maior descrença do mundo: “e é bom?”
veja bem, uma farmacêutica. ou estudante de farmácia. profissional da saúde, pra todos os custos. enquanto eu sou apenas uma desequilibrada. quem sou eu pra dizer se o remédio é bom? não me matei até hoje, então talvez seja; mas também fiz da vida de muita gente um inferno, e nunca consegui parar de tomar; talvez não seja tanto. vai saber!!!!!!!
“tomo há bastante tempo”, respondi, porque era só o que eu tinha a dizer. “minha médica me passou, mas tô com um medo… tô tomando lítio, já tomou?” respondi que não, porque não, e aí vem a cereja do bolo: “você tem o quê? é bipolaridade?”
eu poderia ter parado por aqui, tanto esse relato quanto a interação em si. mas naquela hora eu entendi algo muito importante: eu jamais voltaria naquela farmácia. o mínimo que eu poderia fazer pela leila era deixá-la com a história completa. respondi que sim, e ela contou que no caso dela era borderline. “não sei o que é pior, né?” ela disse, rindo à beça. eu acho que tenho uma suspeita.
obrigada por tudo, drogasil. nossa história acaba aqui.
"se pelo menos fosse granado" = ARTE